quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Cadernos Nietzsche publica o dossiê "Nietzsche e o Naturalismo"

Segue abaixo o editorial do número 29 dos Cadernos Nietzsche:


Editorial

Ivo da Silva Júnior
Rogério Lopes (Colaborador dos Cadernos Nietzsche 29)

Os Cadernos Nietzsche 29 não teriam sido possíveis sem a colaboração de Rogério Lopes. Da concepção à revisão técnica, passando pelo contato com muitos dos autores e editoras que cederam os direitos autorais para este volume dos Cadernos Nietzsche, seu trabalho – imenso – foi fundamental. Fica aqui então registrado o nosso agradecimento – e certamente o do público brasileiro interessado pelo pensamento de Nietzsche – por este volume.

Ivo da Silva Júnior (Editor-responsável)

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Os Cadernos Nietzsche 29 trazem um dossiê sobre “Nietzsche e o naturalismo”. Visa assim a contribuir com a discussão de um rol de questões em torno de leituras da filosofia nietzschiana ainda pouco debatidas no Brasil.

Se não há dúvidas sobre a importância do naturalismo na constituição da filosofia de Nietzsche, muitas são as questões sobre a maneira pela qual o pensamento naturalista impactou o nietzschiano. Neste número 29 da revista, tem-se por intenção confrontar interpretações de importantes comentadores de Nietzsche, da Nietzsche-Forschung internacional e da brasileira, sobre este tema.

Este número dos Cadernos Nietzsche traz como primeiro artigo um texto clássico de Bernard Williams, sobre a definição de uma psicologia moral “naturalista”. Segue-se a ele um texto inédito de Richard Schacht, em que o autor, ao investigar o sentido do naturalismo no pensamento de Nietzsche, afasta qualquer traço cientificista do naturalismo nietzschiano. O trabalho seguinte, de Brian Leiter, estabelece um diálogo com outros textos com a mesma temática, reafirmando suas posições sobre o naturalismo metodológico em Nietzsche. O texto de Peter Kail, por sua vez, discute o estatuto da explicação em Nietzsche e Hume, reafirmando contra a leitura cética que em ambos os autores o que está em jogo são explicações causais. Béatrice Han-Pile traz um trabalho que procura mostrar que Nietzsche ultrapassa posições naturalistas tout court e transcendentalistas para criar um naturalismo transcendental. Este dossiê prossegue com as contribuições da pesquisa brasileira para este debate sobre Nietzsche e naturalismo, que ocorrem sobretudo entre os integrantes do Grupo Nietzsche da UFMG, coordenado pelo Prof. Rogério Lopes. O primeiro artigo é de William Mattioli, em que o autor procura mostrar haver uma ontologia em Nietzsche a partir de uma reinterpretação da noção de tempo na obra nietzschiana. O trabalho de Oscar Augusto Rocha Santos, na sequência, discute a aproximação entre um naturalismo descritivo e a ficção normativa. Alice Medrado, por sua vez, analisa o papel da arte e da ciência em Humano, demasiado humano. Este dossiê termina com um artigo de Rogério Lopes, que apresenta a maneira pela qual Nietzsche pensa a relação entre filosofia e ciências empíricas, em termos de uma concepção naturalista liberal, a partir do debate naturalista na filosofia alemã hodierna a Nietzsche.

Dois textos programados para este número não puderam ser publicados por falta de acordo – não evidentemente com os autores – mas com as editoras que os publicaram inicialmente. Um deles, de Maudemarie Clark e David Dudrick, discutiria a presença de dois tipos de naturalismo presentes em Para além de bem e mal, sendo que um deles Nietzsche aceitaria e outro em que criticaria. O outro, de Christopher Janaway debateria diretamente com Brian Leiter, criticando o “naturalismo metodológico” que este encontraria em Nietzsche.

Os Cadernos Nietzsche 29 esperam assim possibilitar que este dossiê sobre “Nietzsche e o naturalismo” abra novas perspectivas de pesquisa entre nós a partir desse tema que, como já dissemos, ainda não está muito presente nas leituras brasileiras.

Para este número, muitos foram os que trabalharam para a sua produção. Há que ressaltar o trabalho de tradução de Alice Parrela Medrado e de Daniel Filipe Carvalho dos textos de Maudemarie Clark e David Dudrick, de um lado, e de Christopher Janaway, de outro, que, como dissemos acima, não puderam ser publicados neste número. A todos que colaboraram, de uma forma ou de outra, o nosso agradecimento.


Ivo da Silva Júnior (Editor-responsável)
Rogério Lopes (Colaborador dos Cadernos Nietzsche 29)

domingo, 6 de novembro de 2011

Vaga para doutorado em Nietzsche na Universidade de Leiden

Gostaríamos de divulgar aqui a abertura de uma vaga para doutorado (PhD) sob orientação do Prof. Dr. Hermann Siemens na Universidade de Leiden (Holanda). O doutorado é parte de um programa de pesquisa intitulado “Between Deliberation and Agonism: Rethinking Conflict and its Relation to Law in Political Philosophy”, que será desenvolvido como um esforço colaborativo entre três projetos coordenados pelo Prof. Siemens. O primeiro projeto (de pós-doutorado) tem por foco a relação entre os sujeitos políticos e a lei no pensamento político atual. Os outros dois projetos se encontram na área de história da filosofia. Um deles (também de pós-doutorado) tem por foco a política global e investiga o pai das teorias cosmopolitas atuais, Kant, como um pensador do conflito. O outro (de doutorado) terá por objeto uma análise do pensamento de Nietzsche como o pai das teorias agonísticas atuais. A vaga que está aberta é para este último projeto. O título do projeto é “Nietzsche’s ontology of conflict and its implications for agonistic political theory” e ele consiste sobretudo em um estudo sistemático do vocabulário nietzscheano sobre o conflito como base para uma pesquisa acerca de suas implicações para o pensamento político contemporâneo. A questão central do projeto é se relações construtivas entre (certos tipos de) conflito – na medida em que compreendemos o conflito como a estrutura fundamental da vida política – e as normas da lei são necessárias para uma democracia dinâmica.

As inscrições podem ser feitas até dia 20 de novembro de 2011.

O candidato deverá submeter os seguintes documentos:

  • documento de candidatura (incluindo uma explicação do porquê o candidato é qualificado para o projeto e dos seus interesses filosóficos no mesmo);
  • curriculum vitae (incluindo uma lista de publicações, e nomes, filiação e contato de duas referências acadêmicas);
  • histórico de notas;
  • um exemplo de produção textual do candidato (como a tese de mestrado, por exemplo).

As candidaturas devem ser enviadas para: vacaturesluip@hum.leidenuniv.nl.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Michel Foucault e Noam Chomsky debatem natureza humana e poder em programa de TV holandesa no início dos anos 70

Postado hoje no imbatível Open Culture, memorável encontro entre Foucault e Chomsky no início dos anos 70 para debate televisivo em torno da questão se é ou não possível uma definição da natureza humana e da melhor ordenação política em vista desta definição.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Relação entre Nietzsche e Pessoa é tema de conferência do Professor Nuno Ribeiro no Grupo Nietzsche

O Grupo Nietzsche da UFMG tem a alegria de convidar os leitores deste blog e a comunidade acadêmica para conferência do Professor Nuno Ribeiro, que terá como título "Nietzsche e Pessoa: a estética da pluralidade", e que ocorrerá na próxima segunda, dia 19 de setembro, às 14:00h, no quarto andar da FAFICH, UFMG (sala ainda a confirmar). O professor Nuno Ribeiro é ligado ao Instituto de Estudos sobre o Modernismo da Universidade Nova de Lisboa e autor de inúmeros artigos sobre a relação entre Nietzsche e Pessoa (aqui um artigo de sua autoria publicado nos Cadernos Nietzsche sobre o tema de sua pesquisa), assim como do recém-publicado Fernando Pessoa e Nietzsche: o pensamento da Pluralidade, pela Editora Verbo (Lisboa: 2011). Segue um rápido resumo do conteúdo de nossa conversa com o Prof. Nuno Ribeiro na próxima semana.


Nietzsche e Pessoa: a estética da pluralidade

Os pensamentos de Nietzsche e de Fernando Pessoa são expressão de uma estética pluralista. A dimensão pluralista da estética destes dois autores manifesta-se, desde logo, na forma como constroem as suas obras. Nas obras de ambos os pensadores assistimos à produção de mecanismos desagregadores de princípios unitários, entre os quais o «perspectivismo» e a «heteronímia» são os dispositivos mais evidentes. Assim, partindo de um confronto entre o pensamento nietzschiano e a criação literária de Pessoa pretende-se elucidar de que forma encontramos nos textos destes dois autores a constituição de uma estética da pluralidade.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Humanismo e anti-humanismo em Nietzsche e a inevitabilidade do antropomorfismo

Nesta sexta-feira, dia 26 de agosto, às 19:00h, no auditório Baesse, quarto andar da Fafich, farei uma apresentação sobre o tema humanismo e anti-humanismo em Nietzsche, confrontando aspectos de sua obra com os desdobramentos posteriores no século XX, em especial em Heidegger, no estruturalismo francês e na utopia transumanista contemporânea em torno de um suposto ultrapassamento não apenas do ideal humanista mas também das diversas figuras do homem. A apresentação e posterior discussão ocorrem no âmbito do seminário temático oferecido pelo curso de filosofia da UFMG. O tema comum deste semestre é a antropologia filosófica. Creio que o tema é bastante polêmico e espero uma discussão acalorada por parte do público. Para os interessados em participar da discussão, sugiro a leitura de "Regras para o parque humano: uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo", de Peter Sloterdijk (publicado no Brasil pela Editora Estação Liberdade). Para os que lêem em alemão, eis a versão original no Zeit.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Professor Günter Zöller discute niilismo estético de Nietzsche em conferência na UFMG

Na próxima quarta-feira, dia 31 de agosto, o professor Günter Zöller, da Ludwig-Maximilians-Universität München (informações aqui), fará uma conferência na Escola de Música da UFMG, Campus Pampulha, às 10:30h, na sala 3003, tendo como título "A atividade propriamente metafísica do homem: Nietzsche acerca da justificação estética do mundo". O professor Zöller defende como tese central de sua conferência que a estética em Nietzsche é submetida a uma radical reconceitualização. Para os que se interessarem pelo tema e pela conferência, que será ministrada em alemão com projeção simultânea da tradução, seguida de debate com possibilidade de tradução simultânea das questões e com respostas em inglês do professor Zöller, segue uma pequena sinopse do conteúdo da conferência:


A exposição da metafísica de artista de Nietzsche que apresentaremos nesta conferência está centrada na concepção de niilismo, em seu duplo aspecto de diagnóstico e de terapêutica. O niilismo enquanto “niilismo da fraqueza” deve fornecer uma crítica à modernidade decadente e enquanto “niilismo da força” deve constituir uma alternativa à modernidade. Procuramos nesta conferência situar o niilismo na confrontação com a moderna soteriologia estética tal como ela se encontra presente na metafísica da vontade de Arthur Schopenhauer e no drama político musical de Richard Wagner. Como conclusão, serão debatidas as implicações e consequências do niilismo estético para a poética mediante a consideração da modernidade musical e lírica. Para tanto serão confrontados dois pequenos ensaios de Gottfried Benn dedicados à constelação moderna entre niilismo e pessimismo com alguns de seus “Não-poemas” tardios, juntamente com sua musicalização contemporânea por Boris Blacher. (G. ZÖLLER)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sílvia Lage defende Dissertação sobre Música e Décadence no Caso Wagner

O Grupo Nietzsche da UFMG tem a alegria de convidar seus integrantes e demais leitores deste blog para a sessão de defesa da Dissertação de Mestrado de Sílvia Lage, intitulada "Música e Décadence em O Caso Wagner, de Nietzsche". A defesa acontecerá na próxima sexta, dia 19 de agosto, às 14:00h, na sala 3017 da Fafich, sala onde ocorre a maior parte dos encontros do Grupo. A banca examinadora é composta pelo prof. Rodrido Duarte/UFMG, que orientou o estudo, pelo prof. Olímpio Pimenta, da UFOP, e por este que vos escreve.
Teremos uma tarde agradável dedicada à discussão de um dos conceitos centrais da obra tardia de Nietzsche e de sua ambição de fornecer um diagnóstico de seu próprio tempo a partir do exame da obra emblemática de Wagner. Ocasião das mais apropriadas para a retomada de nossas atividades no semestre. Com a palavra a autora:

"A dissertação tem como objetivo investigar o conceito de décadence e suas relações com a arte musical no contexto da filosofia madura de Nietzsche, de modo a compreender a crítica ao compositor Richard Wagner em O Caso Wagner – um problema para músicos (1888), como uma retomada da pergunta pelo valor dos valores da modernidade. Partindo-se da hipótese de que o estatuto da música como um valor é explicitamente problematizado na crítica tardia de Nietzsche à arte wagneriana, espera-se mostrar como esta crítica o conduz à compreensão filosófica das principais formações culturais de sua época como uma expressão da moral cristã, para por fim avaliar a possibilidade de se atribuir um alcance normativo à tese nietzschiana sobre o declínio da arte musical em função da apreciação de sua significação e valor para a cultura." (Sílvia Lage)



segunda-feira, 23 de maio de 2011

Convite para o lançamento de Nietzsche e as Ciências

Pequenas resenhas: Nietzsche e as Ciências.

Nietzsche e as Ciências é primeira publicação em língua portuguesa dedicada ao tema

O volume Nietzsche e as Ciências, publicado este ano pela Editora 7Letras em parceria com a UNIRIO, foi organizado pelos professores Miguel Angel de Barrenechea, Charles Feitosa, Paulo Pinheiro e Rosana Suarez. Trata-se de uma coletânea de 27 artigos na qual se pode constatar a ampla diversidade de abordagens que domina a literatura secundária sobre o filósofo alemão. Estes artigos resultaram das palestras proferidas na sexta edição do Simpósio Internacional de Filosofia Assim falou Nietzsche, realizado em novembro de 2009 na UNIRIO.

A escolha do tema pela comissão organizadora do Simpósio, assim como a presente publicação, é mais uma iniciativa no sentido de desfazer de uma vez por todas um mito amplamente difundido segundo o qual Nietzsche foi um filósofo avesso às ciências e um adversário da racionalidade científica. Este mito se formou ao longo da recepção nietzscheana no século XX, sendo extremamente difícil isolar todas as causas responsáveis pela sua formação e difusão, assim como é igualmente difícil identificar as diversas etapas deste processo. Uma coisa, contudo, é certa: este mito não resistiu às investidas da pesquisa erudita das últimas décadas. Na verdade, este mito foi patrocinado muito mais pelos grandes filósofos que se apropriaram de Nietzsche (Foucault é, neste sentido, uma das raras exceções) do que pelos intérpretes que buscavam uma compreensão mais objetiva de sua obra. Se pensarmos nas apropriações tão díspares e igualmente criativas que filósofos como Heidegger, Adorno e Deleuze fizeram da obra de Nietzsche, poderemos constatar que a tese da aversão às ciências é um dos poucos traços comuns destas apropriações. Logo, não é inteiramente verdadeiro que a associação de Nietzsche a uma posição anticientífica seja um produto exclusivo de uma primeira recepção do filósofo entre intelectuais e artistas sem formação filosófica. É possível que os grandes filósofos do século XX tenham contribuído mais para a difusão deste mito do que a boemia artístico-literária do início do século

Por outro lado, os trabalhos eruditos tentaram apontar, já no início do século, para a unilateralidade da imagem dionisíaca de Nietzsche. Estes estudos pioneiros, que estavam atentos ao contexto científico do pensamento de Nietzsche e cientes da importância de sua interlocução com as teorias da época (podemos citar os estudos de Raoul Richter, Hans Vaihinger, Charles Andler, Alwin Mittasch e Oskar Becker, dentre outros), foram retomados pela escola de Montinari e conheceram um novo fôlego e detalhamento nas décadas de 70 a 90, com trabalhos de grande rigor historiográfico e fôlego especulativo (como os de Wolfgang Müller-Lauter, Günter Abel, Marco Brusotti, Paolo D´Iorio, Aldo Venturelli, Andrea Orsucci, entre tantos outros). Entre os estudiosos de língua inglesa merecem menção os diversos estudos de Robin Small, Georg Stack, Thomas Brobjer e Gregory Moore.

Em termos de abrangência e diversidade de abordagem, nenhuma publicação ainda superou os dois volumes organizados por Babette Babich em 1999 e publicados pela Kluwer: Nietzsche, Theories of Knowledge and Critical Theory: Nietzsche and the Sciences I [Boston Studies in the Philosophy of Scienc.]. Dordrecht: Kluwer, 1999; Nietzsche, Epistemology and Philosophy of Science: Nietzsche and the Sciences II. [Boston Studies in the Philosophy of Science]. Dordrecht: Kluwer, 1999. Um volume mais recente, que deve ser consultado com algum interesse, é o resultado da XI edição da Conferência anual da Friedrich Nietzsche Society-UK. O volume foi organizado por Thomas Brobjer e Gregory Moore: Nietzsche and Science. Hampshire: Ashgate Publishing Limited, 2004. Como prova do interesse crescente pelo tema podemos citar a conferência internacional ocorrida em julho de 2010 na TU-Berlin (Nietzsches Wissenschaftsphilosophie) e o congresso ocorrido em abril de 2011 na Universidade Autônoma do Estado do México (La Filosofía de Nietzsche y su trasfondo científico).

O presente volume é o primeiro em língua portuguesa a se dedicar ao tema “Nietzsche e as ciências”. Não se pode afirmar, contudo, que ele seja dedicado exclusivamente ao tema, já que nem todas as contribuições tratam especificamente das ciências. Apesar disso, o volume cobre diversos aspectos relacionados ao tema, em especial à relação de Nietzsche com as ciências particulares. Este é, aliás, o ponto forte do volume, pois diversas ciências particulares são nele contempladas.

A primeira parte do volume inclui as poucas contribuições que tratam da relação de Nietzsche com as ciências em geral (como é o caso do meu próprio texto, que abre a coletânea, e dos textos dos professores Miguel Angel, Kathia Hanza e Fernanda M. de Bulhões), ou então com as ciências naturais em particular (seja a biologia, como é o caso do texto de André Itaparica que retoma a discussão com o darwinismo, seja a biologia e a física, como é o caso do texto da profa. Scarlett Marton, seja a geografia, como é o caso do texto de Charles Feitosa); a segunda parte do volume reúne artigos que tratam das diversas ciências da cultura e da sociedade (os editores advertem na apresentação que esta divisão obedece a uma intenção puramente didática): temos então contribuições que discutem a relação de Nietzsche com a história (os artigos das professoras Adriana Delbó e Cláudia Beltrão & Patrícia Horvat), com a psicanálise (Jô Gondar & Francisco R. de Farias), com as ciências sociais (Javier Alejandro Lifschitz) e com a filologia (ensaio de Rosana Suarez) e demais ciências da linguagem (Paulo Pinheiro e Rafael Haddock-lobo). Finalmente, textos que tratam da política (as contribuições de Vanessa Lemm e Valéria Wilke). Na maior parte destes casos (com exceção dos textos de Adriana Delbó e Rosana Suarez, que se mantêm no espírito das contribuições da Parte I) o ponto de referência é invertido; ou seja, já não se trata mais de investigar as fontes científicas do pensamento nietzscheano, mas de determinar em que medida sua filosofia serviu de estímulo e inspiração para as disciplinas científicas ao longo do século XX.

Esta é uma primeira e louvável iniciativa no intuito de introduzir o leitor brasileiro em um dos campos mais férteis da atual pesquisa Nietzsche. Embora a pesquisa Nietzsche tenha avançado muito no sentido de enfatizar o diálogo do filósofo com as diversas ciências de sua época, identificando seus principais interlocutores, os pontos de convergência e de divergência, assim como os empréstimos de teses e de vocabulário, ainda há muito a ser feito para que possamos nos esclarecer acerca do modo como Nietzsche concebia a relação entre reflexão filosófica e investigação empírica. Estas são questões propriamente conceituais e de definição de estratégias filosóficas. Se é verdade que Nietzsche afirmou em sua tentativa de autocrítica ao NT que a grande novidade de sua filosofia consistiu em “ver a ciência com a óptica do artista, mas a arte, com a da vida...”, foi também ele que reconheceu (na nota que encerra a primeira Dissertação de Para a Genealogia da Moral) que a tarefa propriamente filosófica, a tarefa legislativa reservada aos filósofos do futuro, não poderia ser conduzida a bom termo sem o auxílio das diversas ciências particulares: “Todas as ciências devem doravante preparar o caminho para a tarefa futura do filósofo, sendo esta tarefa assim compreendida: o filósofo deve resolver o problema do valor, deve determinar a hierarquia dos valores”. A tarefa que Nietzsche propõe para o filósofo não é das mais modestas. Esta é uma polêmica à parte. Mas à parte isso, devemos tentar nos esclarecer qual função caberia às ciências empíricas no contexto desta concepção pouco realista da tarefa filosófica. Esta é uma tarefa do intérprete, modesta ma non troppo.